
A minha amiga Lígia Ferro encontra-se no Brasil a realizar um trabalho com a comunidade local.
Enviou-me por e-mail o o manifesto da antropofagia periférica que está a animar a periferia de São  Paulo e a mobilizar muita, muita gente no sentido de lutar por mudanças, tanto  das imagens e discursos produzidos acerca destas àreas periférias (muitas vezes  preconceituosas, rotulando-as de lugares do crime, vazios de iniciativas  culturais e sociais, etc.), como das condições de vida dos seus habitantes.
Os novos antropófagos
 Artistas da periferia de São Paulo lançam sua própria Semana de Arte  Moderna
 Eliane Brum
  
 Manifesto da Antropofagia Periférica
  
 A Periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. Dos becos e vielas há  de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das  ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um  futuro limpo, para todos os brasileiros.
 A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a  diversidade. Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da  aula.
 Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra  a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que  nasce da múltipla escolha.
 A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.
 A favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e sinhá não quer. Da  poesia periférica que brota na porta do bar.
 Do teatro que não vem do “ter ou não ter...”. Do cinema real que transmite  ilusão.
 Das Artes Plásticas, que, de concreto, querem substituir os barracos de  madeira.
 Da Dança que desafoga no lago dos cisnes.
 Da Música que não embala os adormecidos.
 Da Literatura das ruas despertando nas calçadas.
 A Periferia unida, no centro de todas as coisas.
 Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte  vigente não fala.
 Contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala.
 É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele  que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a  mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a  serviço da comunidade, do país. Que, armado da verdade, por si só exercita a  revolução.
 Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo  da poltrona.
 Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e  espaços para o acesso à produção cultural.
 Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado.
 Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles?  “Me ame pra nós!”.
 Contra os carrascos e as vítimas do sistema.
 Contra os covardes e eruditos de aquário.
 Contra o artista serviçal escravo da vaidade.
 Contra os vampiros das verbas públicas e arte privada.
 A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.
 Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.
  
  
 É TUDO NOSSO!
 Sérgio Vaz
 Poeta da Periferia